Para usar essas 5 formas de acesso ao inconsciente é importante saber que temos dois tipos diferentes de pensamento.
Quando precisamos nos comunicar, seja conversando com alguém ou escrevendo um e-mail, uma mensagem, uma carta, usamos a palavra, certo? Mas e quando queremos nos comunicar com o inconsciente, com a gente mesmo, com nossos sentimentos, desejos, dúvidas e pensamentos?
Usamos a imagem e o símbolo, pois a palavra não consegue alcançar e abranger os códigos e significados desse conteúdo interno. Então, quando nos comunicamos em nosso dia-a-dia com as pessoas e o mundo (realidade exterior) estamos fazendo uso de uma linguagem lógica e racional, por meio do pensamento analítico; e quando entramos em contato com a nossa subjetividade (realidade interior) usamos uma linguagem simbólica por meio do pensamento analógico. Esse tipo de pensamento usa imagens, símbolos, analogias e associações para alcançar os nossos conteúdos escondidos do inconsciente, como os sentimentos, por exemplo.
Se ficou clara a diferença entre os 2 tipos de pensamento, você já pode começar a anotar os seus sonhos (aqueles que você se recorda assim que acorda), que é a primeira forma que coloquei na lista, super útil para se aproximar dos sentimentos e do inconsciente de maneira geral.
Se ficou confuso, aguarde, que falarei dos sonhos logo abaixo, onde ficará mais compreensível como os símbolos e as imagens se expressam.
Quando estamos dormindo são geradas imagens de forma espontânea, sem o nosso controle consciente, as quais chamamos de sonhos. Todos nós os temos todos os dias, mesmo que não nos recordemos quando acordamos. Eles são repletos de cenas, temas, ações, imagens, emoções, diálogos, conflitos e símbolos. Adquirir o hábito de escrevê-los todos os dias e de lê-los, promove equilíbrio psíquico, bem-estar mental e emocional, pois você estará dando atenção à sua subjetividade, a algo que é muito íntimo, que é apenas seu e cheio de pistas sobre o que você está sentindo, sobre suas escolhas, dilemas, medos e fantasias. Além disso, anotá-los ajuda a lembrar dos próximos e cada vez mais você vai se familiarizando com essa linguagem simbólica. Mas afinal, o que eles significam?
Para falar de significado de sonhos, primeiro é necessário saber que, além do nosso inconsciente pessoal que contém as nossas emoções, nossos traumas, registros e sentimentos, há também o inconsciente coletivo, que são conteúdos inatos a todos os humanos, comuns a todos, sem exceção. Esse inconsciente mais amplo é composto por imagens primordiais, moldes biológicos, chamados de arquétipos. Os sonhos são compostos tanto pelo inconsciente pessoal quanto pelo coletivo (universal). Então, quando lembro de um sonho e quero entendê-lo, não basta utilizar o pensamento racional para interpretá-lo, buscando uma lógica. Na maioria das vezes, os sonhos são confusos, bizarros, esquisitos, sem pé nem cabeça, não é? Podemos lembrar de uma palavra, uma imagem ou somente de uma sensação. Ou sonhar sobre diversos temas em uma mesma noite, aparentemente não havendo relação entre eles. Às vezes eles são super mobilizadores e acordamos perplexos com o que vimos ou vivemos naquele ambiente ficcional. Então, não adianta consultar um livro de significado de sonhos, onde é determinado um significado lógico e fechado para uma imagem. É preciso conhecer a simbologia universal daquele objeto, pessoa e imagem com os quais você sonhou. E quais áreas do conhecimento abordam os símbolos universais, para que possamos compreender essas imagens dos nossos sonhos, cheias de significados e analogias? A mitologia e a alquimia.
Esse é o tema que vem a seguir, que é a segunda forma de acessar os sentimentos e o inconsciente.
Ainda sobre sonhos, há alguns diretores de cinema que ilustram impressionantemente bem a dinâmica dos sonhos e a riqueza de símbolos presentes neles: Federico Fellini, David Lynch, Lars Von Trier e o filme “Os sonhos de Akira Kurosawa”.
São histórias tradicionais, contos antigos com tema atemporal. São narrativas de situações que vivenciamos ao longo da vida, independente da época. Eles podem explicar o universo, a natureza, as relações, os valores, os sentimentos e os dilemas do ser humano. São repletos de imagens e arquétipos (experiências humanas típicas) e, por isso, são ricos em elementos simbólicos e rituais, que sendo entendidos pelo pensamento analógico – usam a linguagem imaginativa -, proporcionam acesso ao que estamos sentindo e indícios de como lidar com aquela situação. Quando somos capturados por um mito, ou seja, quando nos identificamos com a história que ele está contando, podemos usá-lo para nos espelhar.
Exemplo clássico de mito é o do herói, aquele que alcança uma proeza física ou espiritual por ter assumido o risco de enfrentar o desconhecido. Na jornada desse arquétipo, estão etapas comuns a todos que por ela caminham. Haverá inicialmente o chamado, depois a recusa, o encontro com o mentor/ sábio, o mergulho na nova experiência e o retorno da aventura com maior sabedoria. Um exemplo de jornada do herói em nosso dia a dia é quando passamos por uma transformação psicológica por termos abandonado uma condição e buscado por si um patamar de maior independência e maturidade, como na transição da adolescência para a vida adulta, na maternidade/paternidade, quando vamos morar sozinhos, viajar pelo mundo, mudar de carreira ou quando sofremos a perda de alguém importante.
Na mitologia, na religião e nos filmes há também milhares de exemplos. Star Wars e Senhor dos Anéis são riquíssimos no uso de mitos. E por que fazem tanto sucesso? Por que mobilizam e atraem tantas pessoas? Pois estão retratando, por meio de imagens contemporâneas, sentimentos e trajetórias pelos quais todos passamos. Estão representando um mito, que expressa princípios profundos e valores eternos da condição humana, sendo instrutivos para descobrir a nós mesmos. É só imaginar a vida como um labirinto; os mitos oferecem caminhos para percorrê-lo com mais clareza e significado.
Mais uma forma de entender o que estamos sentindo é a partir da alquimia. Ela é interessantíssima e didática pra quem a compreende metaforicamente, porque ela traduz os processos que acontecem na nossa psique/alma/mente durante o autoconhecimento. O alquimista, basicamente, pretendia transformar metais inferiores em ouro. Esse processo era chamado de OPUS. Para isso, ele aplicava nos materiais processos como destilação, combustão, aquecimento, evaporação e transformava a prima-matéria (pedra bruta) para alcançar a pedra filosofal. Nós estamos nessa vida ultra misteriosa, assim como o alquimista, buscando um sentido, buscando respostas, passando por experiências, momentos, mudanças, alegrias e tristezas, para nos tornarmos mais conscientes, equilibrados e felizes.
Estamos querendo alcançar o pote de ouro no fim do arco-íris, não é? Esse processo é chamado de individuação/autoconhecimento/ampliação da consciência. Para obter o ouro, os alquimistas precisavam ter paciência, dedicação, perseverança e coragem. Precisavam estar atentos ao longo do percurso, porque conforme misturavam as substâncias, obtendo transformações, tinham de lidar com imprevistos e erros de cálculo. Muitos desistiam, assim como podemos desviar do conhecimento de si mesmo ao longo da vida, seja por engano, aflição, desânimo, falta de conhecimento, medo e ansiedade.
Portanto, a alquimia é uma espécie de “embriologia do desenvolvimento da mente”, mostrando com imagens e símbolos riquíssimos os sentimentos que vivenciamos e as transformações pelas quais a nossa alma passa. Ela é a anatomia da individuação. É um esboço da vida, do que acontece dentro de nós.
Ao longo da vida, grosso modo, passaremos por 7 ciclos (Calcinatio, Solutio, Coagulatio, Sublimatio, Mortificatio, Separatio e Coniunctio) durante os quais irão ocorrer algumas transformações psíquicas: nigredo, albedo, citrinitas e rubedo.
Criar é colocar em prática a nossa essência, é acessar a alma e os sentimentos. E não é preciso ser um artista para realizar isso. Pode ser fotografar, conversar com um amigo, escrever, dançar, nadar, caminhar no jardim, ouvir uma música, pintar, correr, desenhar, mexer com argila, cozinhar, plantar, mergulhar, andar de bicicleta, ler um poema, ir ao teatro, visitar um parque da sua cidade, ir ao museu ou até fazer um curso pra aprofundar aquela vivência.
Todos temos hobbies e atividades que amamos fazer. E geralmente são coisas simples de colocar em prática. Mas por que geralmente não tiramos uma parte do nosso dia para essas atividades, que tanto nos fazem bem?
Porque desconsideramos a importância da imaginação e da criatividade para lidarmos melhor com a vida. Quando nos dedicamos a essa atividade artística, podemos descobrir sentimentos, experimentar sensações e percepções novas, é um momento de estar sozinho, de liberdade para ser quem se é, de se desintoxicar das pressões externas. Você estará se debruçando sobre as suas imagens, os seus desejos e as suas angústias.
A arte tem um papel estruturante e curativo, pois ela gera impressões (imagens, reflexões, insights, sensações, percepções e descobertas) que traduzem o mundo interior. Ela ajuda a identificar e expressar a nossa individualidade, melhora a autoestima, estrutura pensamentos e organiza o caos interior.
Outra forma de estar mais próximo de si mesmo é lendo. Ler é ter interesse pelo desconhecido. Não é um dom, mas um exercício, um hábito que abre caminhos na nossa vida. Pode ser transformador, revelador, prazeroso ou instigante, independente do estilo de leitura escolhida. Pode ser ficção, poesia, crônica, conto, romance, biografia, bestseller, um artigo ou uma frase. Todos são oportunidades de insights que podem ampliar o olhar, sobre nós mesmos, sobre os outros, sobre um problema ou sobre a vida. Além disso, a leitura pode ser uma maneira de relaxar e se divertir sozinho.
Dá para ler no sofá, na rede, na cama, no metrô, no intervalo do trabalho, no avião, durante uma viagem, no carnaval, quando acordamos ou antes de dormir. Quando lemos um livro que nos toca é surpreendente. Só lendo para saber.
A última das 5 maneiras que elenquei para acessar os sentimentos e ampliar a consciência é a meditação que, em essência, significa voltar-se para o centro. Não a vejo como utilitária, como uma técnica para desestressar, melhorar o foco e ser mais produtivo, ou como uma solução infalível para o sofrimento, mas sim como um portal para o âmbito espiritual, para uma sensação mais real de pertencimento. Acima de ser vinculada a uma prática de caráter religioso, filosófico ou místico, a meditação em si é uma prática de cultivo. Cultivo da lembrança de que a nossa mente em seu estado natural é estável e silenciosa. Meditar nos faz ir do rápido para o devagar, do superficial para o profundo, do externo para o interno. É o movimento oposto ao que somos incentivados a realizar no dia a dia, então é como nadar contra a corrente mesmo. É um tempo para si, de intimidade com a alma e o corpo, de autoconhecimento. É uma oportunidade de conexão com o sentido da vida e de desintoxicação dos diversos condicionantes culturais que contaminam a mente e a adoecem.
Texto de BRUNA L. PROCHNOW – Psicóloga Clínica – CRP 06/140066