Como lidar com o inesperado?

30 de novembro de 2021

A vida está correndo normal. Segunda-feira, acordamos, tomamos o nosso café da manhã, vamos trabalhar, pegamos trânsito, mil coisas para resolver, contas para pagar, exercícios para fazer depois do trabalho, filhos para buscar na escola e janta para fazer assim que chegar em casa. Lembramos que quase 3 meses do ano já se passaram, fazemos planos para o fim de semana e para as férias. A saúde está ok, o relacionamento com a família também. A ansiedade está controlada, os vizinhos estão fazendo menos barulho. As correspondências que eu aguardava chegaram, o pagamento entrou na conta, emagreci 2kg a mais do que esperava, o seriado preferido liberou uma nova temporada. Os dias vão passando e as coisas estão, digamos, encaixadas ou correndo bem há algum tempo, sem maiores problemas. Eis que, de repente, o telefone toca ou uma mensagem chega com uma notícia diferente. Ocorre um imprevisto, um desencontro, fora do planejado. Um sentimento de angústia surge e permanece por dias. Uma batida no trânsito, um assalto em pleno dia. Um rompimento repentino ou um desentendimento com alguém que amamos. Uma dor de cabeça que não passa, uma gripe ou uma dor no estômago inesperada. O filho ficou doente, o amigo decidiu mudar de país. Os pais vão se separar ou você foi demitido. A sensação inicial é de susto.

Dependendo da importância da notícia e do ocorrido, o tempo para assimilar pode levar alguns minutos ou alguns meses. A solução pode ser simples ou até mesmo ficar em aberto sem termos muito o que fazer pra contornar a situação, a não ser aceitar. Passar por momentos inesperados ou difíceis na vida é inevitável. Nesses momentos mais críticos, identificar os sentimentos e sensações que surgem é muito importante. Basicamente há 5 etapas para a aceitação de uma perda ou imprevisto, seja a morte de alguém querido, o rompimento de uma relação, um acidente, um assalto, um trauma: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Conhecer essas fases pode ajudar nesse processo de entendimento e superação da dor. 

1) Não esqueça de respirar

A primeira sensação que nos abate em um momento difícil e inesperado é um certo nível de desespero. Não conseguimos organizar os pensamentos, somos tomados pelas emoções. É literalmente um susto, uma mudança brusca de direção. Não esperávamos passar por aquela situação ou não compreendemos porque aconteceu com a gente. Pensamos que talvez tenha havido um engano, como se estivéssemos vivendo uma ficção. Lidamos externamente com o que aconteceu, mas por dentro ainda não assimilamos, nem nos conformamos com o que houve. Brigamos internamente com os fatos e nos negamos a acreditar que não é um pesadelo. Há um desejo de acordar, de perceber que tudo não passou de um sonho, uma ilusão. As coisas ao redor parecem ter mudado de cor, a energia diminui, a rotina é interrompida. O sono, o apetite, os hábitos, os planos e até a forma de olhar as pessoas e o mundo podem ser impactados. É como se o mundo tivesse literalmente desmoronado sobre nós. Podemos ficar perplexos por algum tempo, sem conseguir agir. Ou agimos sem pensar, buscando uma solução o mais rápido possível. Um filme passa pela nossa cabeça em poucos segundos e relembramos, passo a passo, toda a rede de acontecimentos anteriores à situação difícil, numa tentativa de encontrar uma explicação ou um responsável. Mas não encontramos um sentido, não é plausível, não há justificativa. A culpa, a raiva ou a revolta podem começar a surgir. Sentir-se assim é estar na etapa da negação, a primeira fase da vivência de momentos difíceis, na qual a realidade não é aceita pelo fato de causar dor e tristeza. Ela é, portanto, necessária e natural para que, aos poucos, se possa lidar com a realidade. Muito importante nesse início é não esquecer de respirar profundamente e estar perto de pessoas que possam ouvir, seja o seu desabafo ou o seu choro e o seu silêncio.

2) Lembre-se que não é possível ter o controle sobre tudo

Quando acontece algo inesperado, fora da rotina e difícil de resolver ou até mesmo irreversível, uma tristeza profunda se instala, podendo gerar uma carga emocional de inconformismo e injustiça. Afinal de contas, podemos pensar que estamos fazendo tudo certo. Como pode ter acontecido isso conosco ou com alguém próximo a nós? Não estava nos planos, corria tudo bem. O que foi feito errado? Essa sensação de impotência revela para nós uma certa fragilidade, imprevisibilidade e falta de sentido da vida, da condição humana, podendo trazer um sentimento de raiva. Por um tempo, haverá frustração, ressentimento e revolta. Saber que a vida em si é repleta de mistério e acontecimentos sem causa, seja para momentos de alegria ou de tristeza, e que não é possível ter o controle de tudo, pode ajudar a ter um olhar mais amplo e sereno para esse momento difícil. 

3) Não se esqueça de viver no presente

Após o susto inicial diante de um momento inesperado vem um turbilhão de sentimentos e o desejo de que o que aconteceu seja um engano. Em seguida, sem nem perceber, a fase da negociação/barganha se instala, e tudo o que vem à cabeça começa com “E se…”. E se tivéssemos tomado mais cuidado? E se não tivesse saído de casa naquele dia? E se tivesse dado mais atenção àquela pessoa? E se eu tive me comprometido a criar um hábito, será que a situação poderia ser revertida? E se ela tivesse ido ao médico? E se tivesse seguido minha intuição? Por meio dos pensamentos é criada uma ficção fantasiosa, onde seria possível voltar no tempo e alterar os condicionantes de uma forma que o problema fosse solucionado ou nem se desenrolasse. É a ilusão de poder conduzir as variáveis, seja para mudar o passado, seja para ter um novo futuro. Mas na verdade, apenas o presente é possível ser vivido. Nessa fase de martírio, na busca por culpados e por saídas não realistas, o que pode ajudar é lembrar-se que não é possível controlar os fatos, mas ressignificar o que houve a partir do que pode ser feito agora, no presente. Com o tempo, o passado vai se modificando, pois novos olhares são dirigidos a ele. Dessa forma, podemos enxergá-lo em perspectiva para que, mais para frente, seja possível elaborar e superar esse momento difícil.

4) O que é vivido com a dor pode fortalecer e transformar

Depois das fases de sentimentos e pensamentos intensos, a tendência é isolar-se por um tempo e sentir uma tristeza aguda por perceber que algumas coisas realmente mudaram a partir do que aconteceu, seja a morte de alguém próximo, um divórcio, uma despedida, um acidente, uma demissão ou uma doença. É um momento de reflexão, de melancolia e de repensar aspectos da vida. Pode vir junto uma crise existencial e uma sensação de cansaço e incertezas. Esse período de maior recolhimento é necessário para que a próxima fase surja, pois é nela que irá começar o enfrentamento da realidade e a possibilidade de superação real da dor. Aos poucos, a vida vai voltando ao normal, a rotina vai sendo retomada, os ajustes vão sendo feitos, já é possível fazer planos novamente e um sentimento de aceitação vai confortando o coração e acalmando a mente. Mesmo que por muito tempo ainda haja saudades, lembranças e tristeza, novos sentimentos de alegria e prazer podem reaparecer e o aprendizado diante desse momento difícil fortalece e abre novos caminhos, pois houve uma transformação.

Texto de BRUNA L. PROCHNOW – Psicóloga Clínica – CRP 06/140066

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