Usar a bicicleta como meio de transporte em lugar do carro ou metrô é uma possibilidade cada vez mais incentivada e procurada, seja por ser econômico, saudável ou sustentável. Há todo um marketing e, até certo ponto, um romantismo para que comecemos a ir de bike para o trabalho: irá aumentar a sua qualidade de vida, diminuir a poluição nas cidades, economizar combustível, elevar a sua autoestima e ajudar você a emagrecer.
Aparecem nas imagens publicitárias, nas redes sociais, nas reportagens e, por consequência, em seu imaginário, pessoas andando de bicicleta serenamente, tranquilas, leves e felizes em poder fazer uma atividade física agradável até o escritório. Seu interesse então é despertado diante desse estereótipo de bem-estar e você começa a gostar da ideia desse estilo de vida, decidindo inseri-lo em seu cotidiano. Parte para a realidade e começa a colocar em prática todas as etapas a serem concretizadas para tal.
Eis que se inicia uma espécie de “via crucis” que não foi veiculada lá na propaganda e que, portanto, parecia não existir, mas que você está começando a trilhar porque partiu para a ação: é o caminho penoso dos primeiros meses para a construção de um novo hábito.
Nesse começo, a chance de desistir é bastante provável e comum. Isso porque andar de bicicleta todos os dias, com um mínimo de bom senso e segurança, vai te demandar um certo planejamento, disciplina e disposição, que não apareceram na imagem idealizada. Para ficar mais claro, vou elencar apenas alguns aspectos a serem considerados na hora de usar uma bicicleta como meio de transporte: pesquisar modelos e preços de bicicletas e avaliar custo-benefício; guardar dinheiro para comprá-la; arranjar um lugar seguro na sua casa ou apartamento para guardá-la; comprar roupas e equipamentos adequados para pedalar, como capacete, iluminação, refletores, garrafa de água, jaqueta impermeável, luvas, além da mochila ou alforje para carregar sua toalha, produtos de higiene pessoal, roupa para se vestir depois de tomar banho no trabalho; arranjar um lugar para guardar a bike no escritório; talvez pagar por esse bicicletário; fazer um seguro se na sua cidade costuma haver muitos roubos; comprar cadeados e travas; conhecer o trajeto e verificar se há ciclovias e segurança suficiente para não sofrer um acidente ou assalto na primeira semana; conferir qual a distância do trabalho até em casa e se aguentaria pedalar essa distância, principalmente depois do expediente, quando bate aquele cansaço e falta de energia; acordar mais cedo porque talvez vá levar mais tempo do que levaria de carro ou metro; ficar de olho na previsão do tempo todos os dias para não pegar chuva ou estar preparado para enfrentá-la; fazer a manutenção e estar consciente de que a câmara pode furar e te deixar na mão no meio do caminho; encontrar uma oficina próxima de casa para quando precisar fazer consertos ou revisões; se a oficina for longe ou se a bike der problema, dar um jeito de fazer ela entrar no porta-malas do seu carro (risos) ou desmontá-la; fazer uma reserva financeira para a manutenção e possíveis consertos.
Considerando todos esses “pré-requisitos”, já estaria complicado, não é? No entanto, não posso deixar de mencionar o risco de se machucar em possíveis acidentes, já que a maioria das pessoas não está conscientizada sobre como pedalar nas ciclovias e muito menos os motoristas sobre respeitar os ciclistas.
Você pode estar achando exagero, mas saiba que essa é a realidade de um ciclista em uma grande cidade como São Paulo, por exemplo. As estatísticas sobre acidentes estão aí e não me deixam mentir. O Infosiga, sistema do governo estadual de São Paulo, divulgou em abril deste ano que as mortes de ciclistas no trânsito do estado de São Paulo aumentaram 17,8%. Pode ser que você já tenha uma bike, equipamentos e experiência ou more perto do trabalho e tudo fique mais viável e menos arriscado. Mas com absoluta certeza, principalmente nos meses iniciais, não será aquela pessoa leve do comercial que anda supostos 20km de bike, chega cheirosa(o) e serena(o) para a reunião de trabalho das 08h da manhã em cima de um salto 15, ou com o penteado intacto, no caso dos homens rs. Até, de fato, você estar indo ao trabalho de bike, feliz, serena(o) e saudável, alguns percalços irão aparecer, é inevitável. Um pneu que fura, um capacete que não se ajeita, uma ciclovia mal sinalizada, um motorista distraído ou uma chuva imprevisível irão surgir.
Bem, espero que toda essa epopeia da rotina de um ciclista que eu descrevi não te desmotive a tentar pedalar na sua cidade, visto que em hipótese alguma foi minha intenção. Pelo contrário, a descrevi minuciosamente para que ela te ofereça suprimento psicológico prévio para não desistir, para saber de antemão que outras pessoas também passaram por isso e que essa fase inicial é difícil mesmo e demora para trazer resultados palpáveis.
“Tá, ok, entendi!”, você pode me dizer. “Mas e o que começar a andar de bike para o trabalho tem a ver com efeito Facebook?”
Esta semana encontrei essa expressão, “efeito Facebook”, lendo um texto do Instituto Vita Alere de Prevenção e Posvenção do Suicídio ( www.vitaalere.com.br/ ) no qual são descritas as principais causas de suicídio entre jovens e adultos, especialmente adolescentes. É apontado o “efeito Facebook” como um dos possíveis disparadores do sentimento de baixa autoestima e baixa tolerância à frustração por conta das imagens filtradas e “perfeitas”, constantemente veiculadas nas redes sociais e que induzem à sensação de que “todos estão bem, menos eu”, afinal são todos felizes e bem-sucedidos nas fotos.
Fica claro, então, que o contato frequente com essas imagens idealizadas e irreais, produzidas com intuito comercial e pretensão narcísica em sua grande parte, portanto, contribui para a alteração da percepção das pessoas a respeito das intempéries inevitáveis e naturais da vida, prejudicando o enfrentamento da realidade e podendo, inclusive, contribuir para que um jovem tire a própria vida.
Esses dados são alarmantes! E ainda tem mais. Não são apenas os mais jovens os afetados por essa visão distorcida. Basta prestarmos atenção à quantidade de pessoas ansiosas buscando desesperadamente alcançar os padrões e status incentivados nas redes, seja buscando mais beleza, mais sucesso, mais dinheiro ou mais visibilidade. Há que se lidar com o fato de que a internet faz tudo parecer funcionar rapidamente e sem muito esforço: os resultados extraordinários estão por toda parte e os “bastidores” nunca estiveram tão inacessíveis aos nossos olhos. Essa ausência pode criar a percepção distorcida de que a vida deveria estar perfeita.
A tendência, então, é se frustrar em maior proporção sempre que se parte para a ação na vida real, aquela que é repleta de imprevistos, dificuldades e imperfeições. Seja quando começamos a andar de bike até o trabalho, seja quando nos olhamos no espelho e percebemos que estamos envelhecendo.
Não há como negar que o “efeito Facebook”, ou “efeito internet” para não ser reducionista, influencia as pessoas todos os dias a acreditar que chegar a um determinado patamar, alcançar um resultado ou criar um novo hábito, depende apenas de um estalo de dedos e será perfeitamente agradável, rápido e fácil. Pior: que será certamente alcançável por todos aqueles que pensarem positivo e seguirem um determinado script. Enquanto não partimos para a ação, na realidade, temos disponível apenas um desejo e um possível resultado dessa experiência: aquele que deu certo, aparentemente.
Nesses tempos de superexposição de resultados, é questão primordial de saúde e sobrevivência mental e emocional – além de ação preventiva para a depressão, ansiedade e suicídio –, conscientizar-se de que, impreterivelmente, haverá uma longa trajetória para cada conquista, seja pessoal, profissional, esportiva, espiritual, psíquica, etc. Se há pessoas não revelando as dores dos seus caminhos, talvez os resultados sejam artificiais ou elas estejam querendo te vender algum produto; ou ambas as coisas.
Texto de BRUNA L. PROCHNOW – Psicóloga Clínica – CRP 06/140066